Técnica de Feynman: conceitos complexos dominados com facilidade

As lições de Física de Feynman, que consagrou a forma de explicação que hoje é conhecida como técnica de feynman.

Conheci (o nome) Richard Feynman na faculdade. Isso foi bem antes que a Internet tornasse a técnica de Feynman e ele próprio famosos para o grande público (caso você não saiba disso, fiz graduação em Física).

Ao contrário do que se possa pensar, a fama dele junto aos alunos não tinha nada a ver com o seu prêmio Nobel. Na verdade, uma série das aulas de Feynman foi imortalizada na coleção “As lições de Física de Feynman“. Nesta mini enciclopédia de Física, ele explicava praticamente toda a Física conhecida na época.

No entanto, esses não eram livros de Física comuns. Na verdade, Feynman explica a Física de forma conceitual, com pouquíssima Matemática. Além disso, ele usa vários desenhos, histórias e analogias. Por fim, essa enorme capacidade de transformar conceitos complexos em explicações simples deu a Feynman o apelido de “o grande explicador”.

Assim, o “jeito Feynman” de transformar conceitos complexos em explicações simples e ilustrativas fez história. Atualmente a técnica de Feynman é uma das técnicas mais citadas quando o objetivo é estudar algo a sério.

O que mais você vai encontrar neste artigo?

Quem foi esse tal de Feynman?

Imagem de Richard Feynman, criador da técnica de feynman

Richard Feynman foi um Físico importante do século XX, ganhador do prêmio Nobel em 1968. No final da II Guerra Mundial, ele era um jovem físico teórico sempre muito interessado nos resultados experimentais. Muitas vezes, ele próprio se envolvia com os experimentos.

Por isso, Feynman se destacou muito cedo e acabou tendo uma participação bastante relevante no projeto de desenvolvimento da bomba atômica americana, que pôs fim à II Guerra.

Depois disso, ele dedicou-se à carreira de professor. Um ponto interessante é que ele tinha várias oportunidades de se dedicar somente à pesquisa. No entanto, Feynman fez questão de sempre estar envolvido diretamente com o ensino também.

Não é a toa que as aulas de Feynman eram disputadíssimas na Caltech (Instituto tecnológico da Califórnia), onde ele deu aulas na maior parte da vida. Além disso, ele era venerado em qualquer lugar do mundo onde ele fosse chamado a falar. Feynman esteve no Brasil na década de 50 por quase um ano e deixou muitas histórias divertidas por aqui.

No livro autobiográfico “Só pode ser brincadeira, Sr. Feynman“, conhecemos não um “gênio inacessível” na sua torre de marfim. Pelo contrário, Feynman mostra em suas histórias um homem inteligente, criativo e que sabia se divertir, fosse na vida fora da Universidade, fosse com a Ciência.

A personalidade inquieta e rebelde de Feynman fez dele um verdadeiro “popstar” da Física. Era uma época em que a Física estava em alta no imaginário coletivo. Afinal, foram os grandes Físicos daquele tempo que possibilitaram a vitória definitiva e indiscutível dos aliados, pondo fim à barbárie Nazista.

Como (e quando) usar a técnica de Feynman (vídeo)

Apesar de algumas pessoas gostarem de dizer que a Técnica de Feynman é “o melhor método de estudo”, considero-o como mais uma excelente ferramenta de estudos. No entanto, ela só vale a pena quando usada com o objetivo correto.

No vídeo abaixo, explico como e quando incluir a técnica de Feynman de forma equilibrada nos seus estudos.

Por que Técnica de Feynman funciona (7 razões)?

Vc só precisa de papel e caneta para aplicara  técnica de feynman.

Resumidamente, o método de Feynman consiste em um processo cíclico para compreensão de conceitos complexos. Esse processo tem 4 passos:

  1. Escolher um tópico ou conceito bem definido
  2. Tentar explicar por escrito o conceito de forma simples. Você deve usar suas próprias palavras. Ou seja, sem jargões e sem repetir o palavreado do livro didático.
  3. Consultar e reestudar no material original os pontos onde você:
    • caiu na tentação dos jargões
    • ficou inseguro(a) na explicação
    • simplesmente empacou
  4. Repetir os passos 2 e 3 até que a explicação saia naturalmente. Além disso, essa explicação deve ser tão simples que até uma criança consegue entender.

Essa sequência de passos desenvolvida de maneira intuitiva por Feynman funciona porque embute vários fenômenos de aprendizagem e memorização consagrados pela Ciência Cognitiva. Aliás, é pela mesma razão que os mapas mentais são ferramentas tão poderosas de aprendizagem.

Transforme a técnica de Feynman em um hábito definitivo de estudo!

Então vejamos agora o que se esconde por trás de cada uma das etapas do método.

A escolha do conceito

Escolher um tópico ou conceito único e bem delimitado é fundamental porque esse é um exercício de pensamento crítico. Por si só, a escolha já exige algum nível de compreensão do conteúdo. Assim é possível decidir se um conceito é do tipo que vale a pena explorar com mais profundidade. Ou se, pelo contrário, é apenas um detalhe sem grande relevância.

A explicação escrita (I)

A nossa memória de trabalho (aquela que usamos para raciocinar) é extremamente limitada. Ela só consegue abarcar em torno de 3 ou 4 elementos de cada vez. Se tentar lidar com mais do que isso, a pessoa se sente automaticamente sobrecarregada. Então, por causa dessa sobrecarga, ela terá mais dificuldade de fazer o raciocínio necessário para a compreensão profunda do conceito.

Felizmente, existem uma forma simples de evitar essa sobrecarga. Você só precisa de um suporte externo. Em outras palavras, um quadro branco ou uma folha de papel onde você mantenha as informações importantes ao alcance do olhar.

Na verdade, há um forte consenso entre os cientistas cognitivos de que é praticamente impossível elaborar raciocínios complexos sem ajuda de suportes externos.

Ou seja, nada de preguiça na hora de estudar ou resolver problemas. Coloque tudo no papel e libere a sua mente para pensar!

Uso das próprias palavras

Ao tentar explicar em suas próprias palavras, você está usando o que em Ciência Cognitiva se chama recuperação ativa (“active recall”). Informalmente, gosto de chamar a recuperação ativa do método de “tentar lembrar”.

Cada dia mais e mais estudos sobre a memória mostram que se você tenta lembrar de algo que aprendeu antes de olhar a resposta, você aprende mais rápido. E isso é verdadeiro mesmo quando a sua resposta está errada e até quando você não lembra da resposta.

A explicação escrita (II)

Além de funcionar como suporte externo, uma explicação por escrito obriga você a elaborar suas ideias de forma mais profunda.

É como se através da escrita você desenrolasse um novelo de lã para fora do seu cérebro. Assim, o conhecimento que já está lá, meio confuso, vai se desenrolando aos poucos.

Inclusive, o psicólogo, pesquisador e professor universitário canadense Jordan Peterson defende a escrita acadêmica de um ponto de vista diferente. Ele não vê a escrita acadêmica como simples comunicação entre pares. Ao contrário, ele afirma que a função mais importante da escrita acadêmica não é aprender a escrever. Na verdade, é aprender a pensar!

Inclusive existem várias pesquisas mostrando que o Dr. Peterson tem razão. Algumas dessas pesquisas você pode encontrar nas referências do maravilhoso livro How to take smart notes. Infelizmente, ele não tem tradução para o Português no momento da escrita deste artigo.

Aliás, o Dr Jordan Peterson já foi citado neste outro artigo sobre livros “carimbados” por aí de “autoajuda”)

Uso de gestos

O uso de gestos é um complemento importante na técnica de Feynman

O uso de gestos é uma ideia pouco comentada quando se fala da Técnica de Feynman. No entanto, ela é enfatizada pelo próprio em suas aulas. Isso quem nos conta é o professor da USP Nestor Caticha neste artigo. O Prof. Caticha foi aluno de doutorado na Caltech durante os anos finais da carreira de Feynman.

Mais uma vez, a intuição brilhante de Feynman estava certa. Afinal, alguns experimentos recentes da Ciência Cognitiva mostram que usar gestos em uma explicação aumenta a nossa própria compreensão. Além disso, os gestos também facilitam a compreensão dos outros.

Prática Deliberada

Ao identificar os pontos fracos da sua compreensão, e focar seus esforços neles, você usa um dos conceitos mais difundidos no mundo em termos de aprendizagem eficiente: a prática deliberada.

A prática deliberada é considerada o tipo de prática mais eficaz para se alcançar a excelência em qualquer habilidade. Nela você:

  • trabalha um ponto fraco de cada vez
  • faz isso repetidas vezes, sempre procurando melhorar
  • foca no ponto selecionado de forma intensiva
  • usa o feeback da própria tarefa para aprimorar o desempenho

Ora, isso é exatamente o que os passos 2, 3 e 4 da Técnica de Feynman levam você a fazer!

Revisão

O terceiro passo da Técnica de Feynman é uma forma bastante sofisticada de revisão. Isso porque você vai olhar o material original mais de uma vez (pelo menos duas. No entanto, a cada vez, você terá um olhar mais focado. Ou seja, você tem dois benefícios:

  • Primeiramente, você concentra a maior parte da sua energia nas lacunas, ou seja, naquilo que você ainda não compreendeu completamente.
  • Ao mesmo tempo, você acaba repassando e reforçando brevemente os pontos que você já entendeu
  • Além disso, o esforço de compreender o conceito como um todo, leva você a fazer conexões entre os detalhes, o que facilita a memorização significativa.

Enfim, além de um gênio da Física, aparentemente Feynman tinha uma grande intuição sobre como nosso cérebro compreende as coisas.

Aliás, ele próprio conta que no final da sua estada de 10 meses no Brasil, fez um discurso de despedida criticando duramente o sistema de ensino de Física por aqui. Na sua percepção, os alunos brasileiros tinham as fórmulas e definições memorizadas na ponta da língua, mas não sabiam como elas se relacionavam com o mundo real.

Isso foi na década de 50. Como aluna de Física da década de 90 posso atestar pessoalmente que pouca coisa havia mudado… 😔

No entanto, para sermos justos e não entrar no velho “complexo de vira-lata”, vale ressaltar um outro episódio. Na verdade, alguns anos mais tarde Feynman também fez críticas a uma comissão de escolha de livros didáticos de matemática para as escolas americanas. E essas críticas foram tão ou mais duras que aquelas feitas sobre os estudantes de Física no Brasil.

Ou seja, a dificuldade no ensino significativo dos temas cada vez mais complexos das Ciências não é exclusividade nacional…

Richard Feynman Usando a Técnica de Feynman

No já citado artigo do prof. Nestor Caticha há um episódio de uma aula inicial de um curso. Nela, o prof. Feynman usou a técnica dele mesmo, ao vivo, na frente dos alunos.

Primeiramente, Feynman entrou na sala e começou a anotar as Equações de Maxwell (base de todo o eletromagnetismo) no quadro negro. Então, ele parou no meio, pensou, corrigiu alguma coisa, pensou mais um pouco. Em seguida, espiou no seu caderno, fez “Ah!” e finalmente escreveu a versão correta das equações. Finalmente, ele voltou-se para a turma e comentou:

“Os alunos acham que o professor não sabe as equações de Maxwell… Mas os alunos não sabem que o professor escreveu no seu caderno as equações de Maxwell antes da aula.”

Enfim, mostrou o caderno para a turma e completou:

“Vocês sempre devem estar preparados”.

Depois disso, deu a aula inteira sem olhar mais o caderno…

Além de ser um exemplo concreto da técnica de Feynman executada pelo próprio Feynman, esse episódio tem mais uma pitada da sabedoria deste incrível Professor com “P” maiúsculo.

As equações, as fórmulas, as definições são o menos importante de tudo. O mais importante é você entender o significado mais profundo por trás de tudo aquilo.

As elaborações mentais que Feynman fez em sua mente para montar as equações no início da aula “quase de cabeça”, foram todo o aquecimento que ele precisava. A partir desse ponto, as conexões corretas e relevantes para todo o resto da aula vinham naturalmente.

Vantagens e Desvantagens de usar a Técnica de Feynman

Apesar da sua origem na Física, a técnica de Feynman não se restringe à Física nem mesmo às Ciências “duras”. Pode ser usada para exploração e aprofundamento de qualquer conceito em qualquer área. No entanto, ela não é exatamente uma “pílula mágica”.

Aliás, nenhuma técnica de estudo faz mágica!

Na verdade, como método de estudo, a técnica de Feynman pode ser bastante demorada de aplicar.

Obviamente, se você não está entendendo alguma coisa importante, algum tempo terá que ser gasto nisso. Então, é melhor gastar o seu tempo com uma técnica que realmente funciona do que continuar sem entender. Ou pior ainda, fazer uma memorização mecânica só para “passar na prova”.

Além disso, a aplicação da Técnica de Feynman é um ótimo exercício de raciocínio analítico. Quanto mais você usá-la, mais ela vai se incorporando naturalmente na sua maneira de enxergar novos conhecimentos.

Isso significa que mesmo que você não pare para realizar todo o processo por escrito, seu cérebro vai automaticamente começar a raciocinar de uma forma mais inteligente quando for apresentado a algo novo.

Ideias para colocar a Técnica de Feynman em prática

Vamos colocar a técnica de Feynman em prática e turbinar o seu cérebro!

Vamos finalizar com algumas ideias práticas de como tirar o melhor da Técnica de Feynman.

Inicialmente, sugiro que você faça um curto período de treinamento. Pegue – por exemplo – um conceito por dia durante pelo menos 30 dias e aplique a Técnica de Feynman a eles.

Quanto mais variados os conceitos que você pegar a cada dia, melhor será o seu domínio da técnica.

Depois desse período de treinamento, você provavelmente já terá automatizado os quatro passos. Assim, você pode optar por usá-la somente quando algum conceito realmente complexo aparecer. No entanto, procure manter ao máximo o hábito de explicar mentalmente para si mesma(o) ou para alguém os pontos chave de um assunto sempre que puder.

Uma dica final para os mais corajosos

Se estiver em aula e não tiver certeza de que entendeu uma explicação, você fazer perguntas de uma forma bem mais inteligente:

“Então isso quer dizer que… ” + a sua explicação do que foi falado.

Claramente, esta estratégia é bem mais eficaz do que falar simplesmente “não entendi”. O “não entendi” acaba induzindo o professor repetir uma explicação que já não fez muito sentido. No entanto, se o seu professor souber do que está falando, vai apontar especificamente o que foi que você errou. Então será obrigado a explicar de um outro jeito, com maior foco naquilo que vc não entendeu.


Então, conte aí nos comentários: em que conceito você pretende experimentar a técnica de Feynman agora?

2 Comentários


  1. Abordagem muito interessante professora. Embora fervilhem na internet vídeos ensinando como aplicar o método Feynman, a contextualização do método, o apontamento de seus pontos fortes e fracos e as inúmeras conexões com a ciência cognitiva, enriquecem o conteúdo. Além claro, de trazer uma proposta objetiva do que se trata e de como aplicar.
    Parabéns e obrigado.

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    1. Valeu, Luiz! De fato, prefiro que as pessoas entendam o porquê de fazer as coisas, assim elas ficam mais independentes p/ estudar. 😉

      Responder

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